terça-feira, 13 de abril de 2010

Igreja - informação versus campanha


CARLOS ALBERTO DI FRANCO - O Estado de S.Paulo
A imprensa brasileira tem noticiado a respeito da crise que fustiga a Igreja Católica com razoável serenidade e equilíbrio. Os casos de abuso sexual protagonizados por clérigos são, de fato, matéria jornalística inescapável. O que me impressiona, e muito, é a perda do sentido informativo e o inequívoco tom de campanha assumido por alguns jornais norte-americanos.

Infelizmente, os casos reais de abuso sexual, ocorridos nas últimas décadas, mesmo que tenham sido menos numerosos do que fazem supor certas reportagens, são inescusáveis. Nada pode justificar nem atenuar crimes abomináveis como o estupro e a pedofilia. Um só caso de pedofilia, praticado na Igreja Católica por um padre, um religioso ou uma religiosa, é sempre demais, é inqualificável.
Mas jornalismo não pode ser campanha. Devemos, sem engajamentos ou editorialização da notícia, trabalhar com fatos. Só isso nos engrandece. Só isso dá ao nosso ofício credibilidade e prestígio social. Pois bem, amigo leitor, vamos aos fatos.
O Vaticano recebeu 3 mil denúncias de abuso sexual praticado por sacerdotes nos últimos 50 anos. Segundo monsenhor Scicluna, chefe da comissão da Santa Sé para apuração dos delitos, 60% dos casos estão relacionados com práticas homossexuais, 30% com relações heterossexuais e 10% dos casos podem ser enquadrados como crimes de pedofilia. Os números reais de casos de pedofilia na Igreja são, portanto, muito menores.
Os abusos têm sido marcadamente de caráter homossexual e refletem um grave problema de idoneidade para o exercício do sacerdócio. Afinal, uma instituição que há séculos defende o celibato sacerdotal tem o direito de estabelecer os seus critérios de idoneidade, o seu manual de instruções para a seleção de candidatos. Quem entra sabe a que veio. É tudo muito transparente. Quem assume o compromisso o faz livremente. O que não dá, por óbvio, é para ficar com um pé em cada canoa. E foi exatamente isso o que aconteceu. A Igreja está enfrentando as consequências de anos e anos de descuido, covardia e negligência dos bispos na seleção e formação do clero.
Philip Jenkins, um especialista não católico de grande prestígio, publicou o estudo mais sério sobre a crise. Pedophiles and Priests: Anatomy of a Contemporary Crisis (Oxford, 214 págs.) é o mais exaustivo estudo sobre os escândalos sexuais que sacudiram a Igreja Católica nos Estados Unidos durante a década de 1990. Segundo Jenkins, mais de 90% dos padres católicos envolvidos com abusos sexuais são homossexuais. O problema, portanto, não foi ocasionado pelo celibato, mas por notável tolerância com o homossexualismo, sobretudo nos seminários dos anos 70, quando foram ordenados os predadores sexuais que sacudiram a credibilidade da Igreja.
O autor não nega o óbvio: que existiram graves desvios; e, mais, que os bispos fracassaram no combate aos delitos. Jenkins, no entanto, mostra como os crimes foram amplificados com o objetivo de desacreditar a Igreja. A análise isenta dos números confirma essa percepção. Na Alemanha, por exemplo, existiram, desde 1995, 210 mil denúncias de abusos. Dessas 210 mil, 300 estavam ligadas a padres católicos, menos de 0,2%. Por que só as 300 denúncias contra a Igreja repercutem? E as outras 209 mil denúncias? Trata-se, sem dúvida, de um escândalo seletivo.
As interpretações e as manchetes, em tom de campanha, não batem com o rigor dos fatos. Vamos a um exemplo local. Reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo, de 18/5/2009, página C4, abria com o seguinte título: Triplica o número de vítimas de abuso atendidas nas zonas sul e leste. E acrescentava ao título: Desde outubro, a média de novos casos passou de dez por mês para um por dia. Mesmo que o estudo se cinja às zonas leste e sul da cidade de São Paulo, por somarem milhões de habitantes, não deixa de ser uma amostra muito expressiva.
Trata-se de uma pesquisa realizada por várias ONGs de provada seriedade. Aponta como "novidade desconcertante" o fato de que "pais biológicos são a maioria entre agressores e, agora, avós também começam a aparecer neste grupo". No elenco da Rede Criança de Combate à Violência Doméstica, todos ou a quase totalidade dos agressores sexuais são casados. Por que então o empenho em fazer crer que os principais protagonistas de abusos sexuais são padres, e em atribuir a causa dos crimes ao seu compromisso celibatário?
Tentou-se, recentemente, atingir o próprio papa. Como lembrou John Allen, conhecido vaticanista e autor do livro The Rise of Benedict XVI, em recente artigo no The New York Times, o papa fez da punição aos casos de abuso uma prioridade de seu pontificado. "Um de seus primeiros atos foi submeter à disciplina dois clérigos importantes contra os quais pesavam denúncias de abuso sexual há décadas, mas que tinham sido protegidos em níveis bastante altos. Ele também foi o primeiro papa da história que tratou abertamente da crise." Bento XVI tem sido, de fato, firme e contundente.
Em recente carta ao Corriere della Sera, o senador italiano Marcello Pera, um laico no mais genuíno sentido italiano da palavra, assumiu a defesa do papa e foi ao cerne da polêmica. "Desencadeou-se uma guerra. Não propriamente contra a pessoa do papa, pois seria inviável. Bento XVI tornou-se invulnerável por sua imagem, sua serenidade, sua clareza e firmeza." A guerra continuará, "entre outras razões, porque um papa como Bento XVI, que sorri, mas não retrocede um milímetro, alimenta o embate".
Precisamos informar com o rigor dos fatos. Mas devemos, sobretudo, entender o que se esconde por trás de algumas manchetes e de certas interpretações.

DOUTOR EM COMUNICAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE NAVARRA, PROFESSOR DE ÉTICA, É DIRETOR DO MASTER EM JORNALISMO (WWW.MASTEREMJORNALISMO.ORG.BR) E DA DI FRANCO - CONSULTORIA EM ESTRATÉGIA DE MÍDIA (WWW.CONSULTORADIFRANCO.COM) E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Considerações em Torno da Liturgia


Numa Carta Apostólica, em dezembro de 1988, João Paulo II firmou três princípios fundamentais. São os seguintes: Nunca se pode perder de vista que Cristo ressuscitado está sempre presente e agindo na Liturgia; a Leitura da Palavra de Deus e a Liturgia são indissociáveis; a Igreja manifesta sua verdadeira natureza na Liturgia. O que muitas vezes se esquece é que a Liturgia é um serviço. Ela não é um one-man-show do Sacerdote, nem um espetáculo da assembléia, mas, sim, um diálogo para fazer viver este serviço de Deus e dos homens.
Por ser um dos lugares de proposição da fé, é importante que a Liturgia seja bela e atraente. Daí a importância da observância das rubricas por parte do Oficiante, da meticulosa preparação dos Leitores, dos cânticos apropriados e bem ensaiados. O que não se pode olvidar é o liame profundo que há entre a Liturgia e a Fé. Por isto mesmo nada mais nefasto do que uma Liturgia degenerada, fruto de uma criatividade mal orientada. Esta afasta a interioridade que é essencial no trato com Deus, impedindo que se penetre fundo no mistério celebrado. A realidade sacramental fica tantas vezes obnubilada. Daí a necessidade da preparação das equipes de liturgia que não podem se transformar em mensageiras de textos de um vazio lamentável, por vezes até agredindo a unidade litúrgica da solenidade celebrada. O ato litúrgico por excelência, é a oração, a prece que forma o núcleo da Eucaristia. A oração abre o espaço para que Deus possa agir, Ele que fala nas Leituras e nos Cânticos. Donde a relevância na Missa da Liturgia eucarística a partir da preparação das oferendas. Quantas vezes, porém, a grande preocupação é com o “artista” que vai entoar o Salmo responsorial, procurando-se um ator de talento para uma exibição efêmera. Nem se poderia esquecer o valor imenso que oferece o silêncio que favorece uma participação verdadeiramente profunda, pessoal, permitindo escutar interiormente as mensagens do Senhor. Tais momentos são uma parte relevante da celebração, sobretudo no instante sacrossanto da Consagração. Cumpre, de fato, dar à Liturgia, em plenitude, a dimensão do sagrado. Ela não pode ser um festival ou uma reunião de mero regalo artístico. A Liturgia é o Deus três vezes santo presente entre os fiéis, é a sarça ardente, é a aliança do Ser Supremo com a criatura racional em Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote. A grandiosidade da Liturgia não se fundamenta no fato dela oferecer um passatempo religioso. Ela consiste bem mais no ato de tornar perceptível a presença do Espírito santificador. A qüididade da Liturgia é, portanto, o mistério que se realiza no rito comum da Igreja. Os fiéis, aliás, muitas vezes se sentem iludidos quando o mistério se transforma em fortuita distração, quando o autor principal não o Deus vivo, mas o animador litúrgico. Dentro destas considerações, vale lembrar o quanto fica deformado, por exemplo, a última prece antes do Rito da Comunhão. O fato de em muitas Igrejas os fiéis não acompanharem as palavras do Sacerdote em silêncio, mas numa velocidade atordoante, entrando junto com o Oficiante, não apenas ocasiona uma falta de concentração na beleza desta doxologia, como também se esvazia o Amém, este sim, respondido ou cantado pela comunidade que entendeu o louvor dirigido ao Pai através do Filho na unidade do Espírito Santo e que, deste modo, pode proclamar solenemente este Amém, isto é, assim seja, estamos imersos nesta adoração do Todo-Poderoso. O mesmo se diga da Oração antes da Comunhão na qual se pede a paz que é própria do celebrante. O fato dos participantes da Missa entrarem junto é resquício de uma teoria que foi combatida veemente pela Igreja, segundo a qual os batizados concelebram com o Celebrante ! Acrescente-se que João Paulo II pouco antes de vir a falecer chamou a atenção também para o momento após esta oração da paz, ou seja da saudação em Cristo Jesus. Esta deve ser dada ao vizinho ou à vizinha e não é permitido pelas normas litúrgicas sair pelo templo afora transformando um instante que deve ser de recolhimento para a recepção da Comunhão num tumulto inteiramente descabido.Como bem se expressou o teólogo Marsili Salvatore, “De imensa importância é o fato de que a liturgia, antes de ser a ação da igreja diante de Deus, é a ação de Cristo na igreja, de modo tal que a liturgia precede a Igreja com prioridade tanto de natureza quanto de lógica, já que a Igreja primeiro é sujeito passivo da liturgia, depois é que se torna sujeito ativo”. A Liturgia é, de fato, elemento constitutivo da Igreja.
Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho
Professor no Seminário de Mariana - MG