sexta-feira, 11 de setembro de 2009

E AS CANÇÕES FEITAS POR IRMÃOS DE OUTRAS IGREJAS?


E as canções feitas por Irmãos de outras Igrejas?

Nós, católicos, podemos cantar músicas de compositores/cantores de outras igrejas em nossos momentos de oração?

De fato, muito embora esta seja uma dúvida antiga e quase sempre mencionada nos encontros de artistas promovidos pela RCC no Brasil, agora a questão tem sido bem mais comentada, por causa de alguns artigos publicados na Internet ou palestras proferidas para músicos em vários encontros e até na TV. Naquelas ocasiões, alguns irmãos bastante conhecidos, nomes importantes de nossa música católica, têm se pronunciado contra o uso de tais canções em nosso meio.

Ao que parece, esse assunto tem sido “a grande polêmica do momento” e é natural que em casos assim precisemos de uma resposta mais clara e objetiva, uma vez que isso mexe diretamente com a seleção de repertório de milhares de ministérios, grupos, bandas, grupos de dança e teatro (que coreografam as canções) por todo o território brasileiro.

Assim, não apenas como Coordenador Nacional dos Ministérios de Arte da RCC, mas também como estudioso do assunto “Música Sacra”, seja pelo interesse “pastoral”, seja por força de minha atividade profissional (uma vez que sou professor de “Canto Gregoriano” em um Seminário Propedêutico, regente-titular do Coral da Catedral da Arquidiocese de Teresina, professor de “História da Música Sacra” em uma Faculdade de Filosofia e de “Música Litúrgica Católica” em uma Faculdade de Teologia) e, ainda, como ministro de música de meu Grupo de Oração, proponho-me a apreciar alguns pontos importantes para nossa reflexão, não num esforço por simplesmente “responder às declarações já citadas”, mas a fim de que possamos crescer juntos em maturidade humana e espiritual também nesse quesito de nossa prática musical religiosa e de nossa missão profética na RCC e na Igreja.

Por outro lado, também não é a intenção apenas expressar aqui uma opinião (a minha ou a de outrem), uma vez que a nossa Igreja possui posicionamentos bastante claros, também sobre Arte, em seu Magistério, isto é, em sua formação doutrinário-espiritual oficial. Como poderemos ver durante esse trabalho, temos uma boa quantidade de cartas, encíclicas, homilias do Santo Padre voltadas para os artistas e mesmo um capítulo inteiro da “Sacrosanctum Concillium” (a Constituição Apostólica resultante do Concílio Vaticano II) especialmente dedicado à Música Sacra. O Catecismo da Igreja Católica igualmente dedica algumas poucas, mas decisivas palavras à Arte Sacra (CIC n. 2500ss).Também a CNBB tem se pronunciado sobre o uso da Música, principalmente durante o culto (música ritual). Por fim, a própria RCC do mesmo modo tem todo um caminhar de mais de 30 anos no Brasil, experiência tantas vezes transformada em formação escrita e oral e que não pode ser desconsiderada em uma discussão dessa magnitude.

Todos os documentos, cartas, livros e pronunciamentos utilizados como base para este artigo estarão enumerados em nossa Bibliografia, a qual peço que analisem com cuidado.

PARA COMEÇO DE CONVERSA...

Já de início gostaria de declarar que a Coordenação Nacional dos Ministérios de Arte na RCC tem razões sérias e suficientemente embasadas para afirmar que, em princípio, não há problema algum em tocarmos músicas evangélicas em nossos momentos de oração, shows, eventos e até missas, desde que tenhamos duas coisas muito bem definidas em nossa mente e em nosso coração:

1. O que diz exatamente a música que estamos cantando (análise do texto);

2. Por que escolhi esta determinada música (foi de fato uma moção do Espírito?).

Com base nesses dois critérios, podemos tranqüilamente delinear o nosso discernimento.

Obviamente também havemos de lembrar que, não somente em relação ao repertório, mas em todos os aspectos de nossa vida cristã, o equilíbrio é sempre um fator de especial importância. Ter seu repertório praticamente todo composto de canções de determinado(s) compositor(es) evangélico(s) é, sem dúvidas, um exagero, algo desequilibrado. Entrementes, cantar somente músicas do compositor católico “x” ou “y”, igualmente seria cair no mesmo erro do desequilíbrio.

Tudo bem, já estamos começando a entrar no assunto, e logo vou tentar dar algumas pistas de como levar a cabo aqueles dois princípios de discernimento que enumerei mais acima. Porém, antes disso, deixem-me fazer duas outras considerações iniciais que são simplesmente indispensáveis para nossa reflexão.

Mãos à obra!

O VENTO SOPRA ONDE QUER!

Começamos nosso caminho lembrando que o Espírito Santo é Criador, Vivificador, e Santificador de todo o Universo e, portanto, não restringe sua ação somente ao âmbito da Igreja Católica Apostólica Romana.

Claro que não vou adentrar aqui no campo do “Estudo das Religiões”, mas é preciso que todo bom servo de Deus entenda que seria uma visão extremamente minimalista acreditar, por exemplo, que o Espírito só inspira suas canções aos compositores católicos. Todo coração aberto a Deus pode ser um campo de ação do Espírito, assim nos ensina o Magistério da Igreja e disso não há dúvidas!

Ora, foi o próprio Papa João Paulo II que escreveu em sua “Carta aos Artistas”, de abril de 1999:

“Toda a autêntica inspiração, porém, encerra em si qualquer frémito daquele « sopro » com que o Espírito Criador permeava, já desde o início, a obra da criação.”

Isso nos lembra algo que é óbvio: o Espírito Santo é livre para fazer o que quiser e em quem quiser!

Outrossim, se esse mesmo Espírito decide inspirar uma determinada canção a um irmão de outra Igreja, por que, então, nós haveríamos de adotar o simplório critério da “denominação religiosa do compositor” para definir nosso repertório? Não seria primário demais assumirmos como verdade absoluta a premissa de que “a música feita por um compositor católico é boa e a música feita por um evangélico não serve para nós”? Ou estaríamos adotando “critérios mais rígidos” que o do Espírito Santo?

Sobre essa questão da “denominação religiosa” é muito interessante uma declaração do Documento Pontifício “Novo Millennio Ineunte” na qual o Santo Padre nos diz que:

“Enquanto Corpo de Cristo, na unidade realizada pelo dom do Espírito, a Igreja é indivisível. A realidade da divisão forma-se no terreno da história, nas relações entre os filhos da Igreja, em conseqüência da fragilidade humana para acolher o dom que continuamente dimana de Cristo-Cabeça para o seu Corpo místico.”

Um critério tão limitado decididamente não é firme o suficiente a ponto de o adotarmos como paradigma em relação a uma missão de abrangência tão extensa e importante quanto o ato de ministrar a presença de Deus através da música.

Até considero natural que, na ânsia por fazer as coisas da maneira mais correta, alguns de nós simplesmente gostariam de ter um “manual do que pode e do que não pode”, mas não é assim que as coisas funcionam no Reino de Deus! Na verdade, se quisermos mesmo aprender a escolher a música certa para cada momento, vamos ter que usar um pouquinho mais a nossa inteligência e a nossa oração, pois a razão e a fé são os nossos instrumentos de discernimento por excelência.

UM POUCO DE HISTÓRIA DA MÚSICA NA IGREJA E NA RCC

A Igreja sempre teve o cuidado de orientar seus músicos, sejam eles cantores, instrumentistas ou compositores. A primeira grande organização musical no Ocidente foi desencadeada pelo Papa Gregório Magno, em fins do século VI, quando foram enumeradas algumas características básicas que determinariam se uma música condizia ou não com aquilo que a Igreja necessitava. Essas características acabaram delineando um tipo de música inicialmente batizado de Cantus Planus, mais tarde conhecido mundialmente como Canto Gregoriano, em homenagem àquele Papa.

Talvez você não saiba, mas o Canto Gregoriano ainda hoje é considerado o canto oficial da Igreja Católica. Quase por impulso, eu até me sinto motivado a fazer uma ligeira preleção sobre o que a música sacra (católica e evangélica) poderia aprender com o Canto Oficial da Igreja, talvez utilizando como ponto de partida o fato de que os compositores dos cantos gregorianos autênticos raramente assinavam suas músicas, pois sabiam que não poderiam levar o mérito de uma obra genuinamente do Espírito. Isso talvez provocasse em nós uma série de ponderações sobre coisas como, por exemplo, a questão da fama no Reino de Deus, ou mesmo do dinheiro dos direitos autorais que alguns têm recebido em tão grande quantidade!

Mas esse tema vai ficar para outra oportunidade... Afinal de contas, não é sobre isso que estamos conversando agora. Eu apenas lembrei de citar aquela primeira organização do canto sacro para dizer que nem na Reforma Litúrgica Gregoriana e nem em qualquer outro momento da Historia da Música Sacra, a Igreja jamais adotou o “nome ou a origem do compositor” como critério essencial para escolha de repertório.

Mesmo na época do Renascimento, quando alguns compositores começaram a desobedecer aos cânones litúrgicos, e outros passaram para as recém-fundadas Igrejas Protestantes, mesmo nesses momentos, a Igreja só desautorizou o uso de alguma música se o conteúdo dela fosse contra a Doutrina Católica ou simplesmente inadequado ao momento litúrgico.

Só a título de informação, Bach, compositor de “Jesus Alegria dos Homens” e até de uma melodia posteriormente utilizada para a “Ave Maria”, era luterano... E Haendell, autor do mais famoso “Aleluia” de todos os tempos, era anglicano. Eles viveram numa época em que a rixa entre católicos e protestantes chegava a desencadear verdadeiras guerras, e, ainda assim, suas boas músicas continuaram a ser utilizadas através dos séculos, inclusive em solenidades na presença do próprio Papa.

Da mesma forma, em relação aos escritos oficiais da Igreja Católica voltados para os artistas, tais como a já citada “Carta aos Artistas”, os documentos e cartas do Pontifício Conselho para a Cultura, as orientações sobre Música nos Documentos sobre Liturgia da Sagrada Congregação para o Culto Divino, ou mesmo as homilias do Santo Padre no Jubileu dos Artistas e Jubileu do Mundo dos Espetáculos e, ainda, o seu quirógrafo sobre a Música Sacra publicado há exatamente um ano, no dia 22 de novembro de 2003... Nenhum desses escritos impõem restrições a composições de outras Igrejas desde que não agridam nossa fé!

A Igreja do Brasil também tem se preocupado em orientar seus músicos, mormente no que diz respeito à Música Litúrgica, onde novamente somos convocados a proceder com discernimento. Vale a pena conferir, estudar e começar a pôr em prática as orientações que a CNBB nos fornece (veja as referências na Bibliografia).

E na RCC? Como tem sido a evolução da música em nosso Movimento?

Creio que a maioria dos músicos ligados à Renovação Carismática já tem consciência do fato de que a RCC em seu início foi mesmo profundamente influenciada e, em alguns momentos, até auxiliada por alguns irmãos de outras Igrejas Cristãs sérias.

O famoso livro “A Cruz e o Punhal”, que exerceu papel importante no episódio conhecido como “o fim-de-semana de Duquesne” (quando apareceu o “primeiro grupo de oração oficial da RCC”) foi escrito pelo Pastor David Wilkerson, que por sinal, pregou em um dos 1ºs Congressos da RCC nos Estados Unidos e esteve aqui no Brasil a convite da Igreja Batista. Outro exemplo: o Padre Tomas Forrest, importante liderança internacional da RCC no início do Movimento, teve sua experiência do Batismo no Espírito Santo num retiro da Renovação Carismática Católica dos EUA pregado por dois padres, uma freira e dois evangélicos Metodistas.

Também no campo da música recebemos essas contribuições, no início principalmente através de grupos musicais como Vencedores por Cristo, Koinonia, Rebanhão e outros mais, com melodias como “Buscai primeiro o Reino de Deus” e “Glorificarei teu nome, oh Deus”... Isso mesmo, aquelas que ainda hoje utilizamos na Missa (Aclamação e Santo)! Há muitas outras, igualmente utilizadas ao longo dos anos por praticamente todos nós: “Pelo Senhor marchamos sim...”, “A alegria está no coração...”, “Posso pisar uma tropa...”, “Eu navegarei...”, “Espírito (...) vem controlar todo o meu ser...”, “Espírito, enche a minha vida, enche-me com teu poder...”, “Assim como a corsa...”, “Deus enviou seu filho amado...”, “Se as águas do mar da vida...”, “Eu sou feliz por que meu Cristo quer...”. Temos ainda exemplos mais recentes, como “Levanta-te, levanta-te Senhor... Fujam diante de ti teus inimigos”, “Venho Senhor minha vida oferecer...”, ou aquelas que ganharam grande projeção em nosso meio através dos Padres Marcelo Rossi e Zeca, “Meu pensamento vive em você...”, “Se acontecer um barulho perto de você...”, “Celebrai a Cristo, celebrai...”.

Só estou citando as mais conhecidas, mas acredite, a lista é imensa!

O que estou querendo mostrar nesse momento é que o uso de composições evangélicas na RCC não é apenas um fenômeno de nossos dias. Na verdade esta é uma prática que faz parte da história de nosso Movimento e não há nada de errado com isso, desde que (repito) tenhamos sempre a responsabilidade de “filtrar”, de acordo com nossa Doutrina Católica, aquilo que escolhemos para cantar.

DISCERNIMENTO NATURAL: ANALISANDO AS LETRAS DO QUE CANTAMOS

Não há dúvidas de que é necessário que todos os artistas católicos tenham condições de analisar aquilo que cantam, dançam ou representam, afinal, não dá mesmo para simplesmente pegar “a música da moda” e aplicar descuidadamente em nossa missão. A própria CNBB nos chama a atenção sobre isso e também o Papa João Paulo II, no quirógrafo já citado, quando diz:

“ ...por diversas vezes (...) sublinhei a necessidade de purificar o culto de dispersões de estilos, formas descuidadas de expressão, músicas e textos descurados e pouco conformes com a grandeza do ato que se celebra...”

Quando tratamos de canções feitas por irmãos de outras Igrejas a atenção deve estar voltada mesmo à relação do texto da música com os ensinamentos da Doutrina Católica, isto é, verificar se a canção não fere aquilo que nossa Igreja tem ensinado aos seus fiéis ao longo dos séculos.

Para falar a verdade, é muito bom que sejamos, de certa forma, obrigados a fazer esse tipo de análise, pois assim percebemos a importância de se ter cada vez mais formação sólida na Palavra de Deus e no Magistério de nossa Mãe Igreja. O artista que não busca esse aprofundamento com certeza terá problemas para saber o que é correto ou errado na letra de uma música.

Assim, não há receitas prontinhas a seguir. O caminho é o do zelo às coisas do Senhor, zelo que nos fará mergulhar cada vez mais em suas Verdades, numa dedicação sempre maior às coisas de Seu interesse.

Isso tudo nos leva a constatar também que não é somente com as músicas de compositores evangélicos que precisamos ter cuidado. Também muitos dos cantos compostos pelos “nossos” trazem freqüentemente erros teológicos, litúrgicos ou pastorais, advindos da falta de formação ou da formação superficial de alguns de nossos compositores.

O fato é que não é somente sobre Música (tecnicamente ou mesmo religiosamente falando) que devemos saber, mas também sobre os temas que abordamos em nossa música. Se nossos compositores não se aprofundarem mais sobre o que a Igreja pensa a respeito de “adoração”, “louvor”, “animação”, “Maria”, etc, nossas letras correm o risco de ser apenas um amontoado de “água-com-açúcar que está rimando”.

Quanto a isso é muito interessante citar também que a Igreja nos deu a síntese de sua formação oficial no Catecismo da Igreja Católica, tão facilmente encontrado nas livrarias católicas de todo o Brasil; isso sem falar em toda a maravilhosa formação que está disponível gratuitamente no site do Vaticano, e mais os diversos livros de autores especializados que são lançados constantemente nessa área de Doutrina Católica pelas várias editoras de nosso país.

A própria Renovação Carismática tem elaborado formação substancial para os Ministérios de Arte (Dança, Teatro, Música e Artes Visuais) justamente a fim de fornecer subsídios suficientes aos nossos artistas.

Claro, quando não temos ainda formação o suficiente para fazer uma análise mais apurada de textos dos cantos que chegam a nós, nada nos impede de ir a alguma liderança mais experiente, ou mesmo a um teólogo, a um padre e pedir que nos ajude em tal missão. Isso também deve ser feito em relação às nossas composições!

O importante, no que se refere à análise da letra, é que sempre entendamos o que estamos cantando e que tenhamos certeza de que não contradiz nossa fé em nenhum mínimo detalhe.

DISCERNIMENTO ESPIRITUAL: A MÚSICA CERTA NA HORA CERTA

Agora algo crucial em nosso caminho: é necessário que entendamos de uma vez por todas que o nosso repertório deve ser escolhido pelo próprio Espírito Santo, isto é, só acertaremos de verdade o alvo se utilizarmos o dom do Discernimento. É uma questão espiritual, nada menos! Se vamos utilizar uma determinada música para fins espirituais, isto é, para a oração, então é o próprio Deus quem define o que cantaremos.

Somente ser bonita não adianta... Somente ter a letra certa não adianta... Somente estar de acordo com o momento não adianta... Somente ter funcionado na semana passada não adianta... A escolha da música certa para cada momento de oração deve partir de um discernimento espiritual, isto é, devemos orar e escutar a vontade de Deus ao selecionarmos o nosso repertório.

Aqui vale lembrar que o mais importante na nossa missão é que as pessoas experimentem a Deus através daquilo que cantamos, nas palavras da CNBB, que “elas tenham um encontro pessoal com Jesus”; por isso mesmo essa escolha é mais uma questão entre “Deus e o povo que está rezando” do que simplesmente “a música que eu gostaria de cantar”, ou “a música que está na moda no momento”.

Nesse ponto chegamos à conclusão que o discernimento espiritual nos leva a questionar o por quê de se cantar cada uma das músicas que escolhemos!

Se você, em um momento de oração, canta uma determinada música apenas porque “é o carro-chefe de seu novo CD”, por mais católica que ela seja, você pode estar cometendo um grande erro. Da mesma forma, se você escolhe uma canção do grupo “Diante do Trono” só porque agora é moda cantar isso, por mais bela que a música seja, você pode estar cometendo uma falha grave! Por outro lado ou essa ou aquela pode funcionar perfeitamente, se assim for a moção do Espírito Santo!

Vemos, então, que o fator mais importante é nada menos que a Vontade de Deus! E, falando sinceramente, se o Espírito Santo me move a cantar determinada música em algum momento de oração, eu, pelo menos, não estou disposto a perguntar a Ele primeiro quem “detém os direitos autorais”?

Assim, o caminho para o discernimento espiritual passa obrigatoriamente por prostrar o coração em oração antes de cada música (até das animadas) e aprender a “detectar” a Vontade de Deus para cada situação. Isso só vem com a prática e começa com uma perguntinha simples, porém profunda o suficiente para nos levar a rezar por uns tempos: “Por que estou escolhendo esta música agora?”.

A POSTURA DOS EVANGÉLICOS E A NOSSA RESPOSTA

Um outro argumento que tem sido utilizado pelos que são contra o uso de repertório não-católico se baseia no comportamento dos compositores e cantores de outras igrejas.

Entre outros casos, fala-se que Aline Barros, uma das mais famosas cantoras gospel do Brasil, teria declarado na televisão que fica triste por ter suas canções utilizadas para a adoração da Eucaristia (que ela teria chamado de “pedacinho de trigo misturado com água”). Já uma vocalista do grupo “Diante do Trono” teria afirmado em um show que os feriados religiosos do Brasil são “feriados de prostituição”.

(OBS.: Não consegui nenhuma prova documental dessas palavras).

Bem, se esses irmãos, de fato, fizeram afirmações tão maldosas e ofensivas à nossa Fé Católica, é lógico que estão profundamente enganados, não somente no aspecto doutrinário das questões, mas também pela “ofensa gratuita” à nossa amada Igreja Católica, já que nós não andamos por aí desfazendo da religião deles. Sem dúvidas, todos nós, que buscamos ser bons católicos, fiéis aos preceitos da Igreja de Cristo, discordamos e até reprovamos palavras tão perniciosas e irresponsáveis, até mesmo porque foram pronunciadas em público!

Entretanto note que há uma diferença entre reprovar o comportamento de um irmão e negar a ação de Deus através daquele mesmo irmão.

Esse é mais um aspecto curioso da ação de Deus em nós... Ele não se limita aos nossos acertos, Ele age apesar de nós! É assim a Graça Divina, ela simplesmente não espera que a mereçamos, que sejamos bons o suficiente.

Citando um exemplo bem prático:

Por causa da Coordenação Nacional, eu sou levado a viajar por todo o Brasil em quase todos os fins de semana do ano, seja para encontros com artistas, seja para retiros ou reuniões com lideranças. Vocês não são capazes de imaginar o número de reclamações que recebo, vindas de coordenadores estaduais e diocesanos, coordenadores de comunidades, padres e até de bispos a respeito do comportamento de cantores e cantoras que cantam na espiritualidade carismática, mas que falam absurdos em seus shows, são ignorantes e ultra-exigentes com os irmãos que os estão acolhendo e acabam muitas vezes assumindo uma postura tão vaidosa, orgulhosa e até mercantilista quanto os chamados “cantores do mundo”. Quantas notícias de escândalos tenho ouvido por aí, quantas terríveis feridas deixadas após lindos shows de evangelização, quantos contra-testemunhos após pregações tão ungidas!

É claro que não concordo com nada disso... Claro que esses irmãos que ainda se comportam assim têm que mudar seu proceder, têm que “baixar a crista”, deixar que a conversão seja mais profunda, entender que no Reino de Deus a postura adequada aos missionários seria justamente cantar o que vivemos e viver o que cantamos! Porém, eu não posso negar a unção que permeia suas músicas, não posso deixar de acreditar que Deus age através deles, apesar deles, isso porquê toda Graça é dom de Deus e não da pessoa!

Entende o que quero dizer?

O profeta não é maior do que a Profecia... a autoridade da Profecia vem do próprio Deus e não do comportamento do “canal” que Deus usou! É o Mistério da Misericórdia de Deus, que muitas vezes inspira suas canções a um compositor por causa do povo que está precisando e não propriamente por causa do irmão que compõe ou canta.

A postura do irmão é lá uma outra coisa, da qual ele próprio é que vai ter de prestar contas com Deus, pessoalmente.

Está percebendo porque mesmo se o irmão de outra Igreja é mal-educado, “desaforado” ou até ofensivo e agressivo, mesmo assim não posso me basear só na postura dele quando vou escolher uma música?

Alguém pode até dizer: “mas por causa do que ele falou eu vou parar de cantar qualquer coisa que venha dele”. Tudo bem, eu também não cantaria nada que viesse “dele”, mas pergunto: e se vier do Espírito Santo?

O mesmo se refere à afirmação de que “eles nunca tocam nossas músicas, então vamos vetar as deles também”. Esse critério, se analisado a fundo, revela na verdade uma postura muito “mundana”, se me permitem falar com franqueza. Querido(a), nós não estamos mais na era do “Código de Hamurábi”, onde valia o “olho por olho e dente por dente”. Nós fomos convocados a fazer acontecer a Era do Amor, inaugurada pelo próprio Deus, que nos ensinou a dar a outra face, que perdoou seus algozes e morreu para pagar por crimes que não cometeu.

Assim, meus irmãos, humanamente seríamos tentados a revidar com o “revanchismo” que nos aflora à pele todas as vezes que alguém nos destrata... Mas a Obra espiritual precisa de uma Visão espiritual, não podemos esquecer disso! Não nos importa, na verdade, se eles fazem ou não o que deveriam, importa que nós façamos o que é correto, nossa esperança é que, com o tempo, nosso testemunho de Unidade mesmo quando ofendidos ou humilhados, venha a sensibilizar o coração daqueles nossos irmãos.

Ademais, ainda sobre a postura dos evangélicos em relação a nós, é preciso dizer que nem todos são tão intransigentes e intolerantes assim. Muitos têm se esforçado por caminhar junto com a gente, e na música mesmo temos tido parcerias muito frutíferas com compositores, arranjadores, cantores e instrumentistas. A maioria dos CDs católicos que fazem sucesso atualmente têm a contribuição de um ou outro artista não-católico e isso tem sido muito bom!

Encerro essa parte com uma breve citação do Estudo n. 21 da CNBB, Guia Ecumênico, que dedica um capítulo à Música Sacra, onde lemos:

“A Música Sacra é lugar privilegiado para a colaboração ecumênica”.

ANALISANDO NOSSA POSTURA ENQUANTO MÚSICOS DE DEUS

No fundo, no fundo, não estamos na realidade tratando de “música evangélica”, mas buscando uma visão mais profunda a respeito das coisas que movem os nossos corações e as nossas ações. É por isso que nesta última parte de nossa conversa gostaria de propor que refletíssemos também um pouco mais sobre os nossos conceitos e nossas posturas. Vou mais longe: gostaria de provocar uma reflexão sobre os nossos porquês!

Todo servo que busca aprofundar-se no relacionamento com Deus e com Sua Obra vai perceber, mais cedo ou mais tarde, que os porquês do nosso coração fazem muita diferença para nosso Senhor. Ele não nos quer apenas como “escravos ignorantes”, “funcionários” do Reino, ele nos quer como amigos, que compreendem passo-a-passo as peculiaridades do Caminho do Pai e que também deixam que o Pai compreenda as razões mais secretas de nosso coração. Até já vi alguns servos de Deus dizerem que não nos importa o “porquê”, mas sim o “para quê”... Mas também já vi o próprio Deus dizer que “... vos dei a conhecer tudo o quanto ouvi de meu Pai”.

Após essa análise um pouco mais detalhada da opinião da Igreja e mesmo do bom senso cristão, francamente, que outras razões teríamos para “baixar um decreto” proibindo esse ou aquele repertório em nosso meio? Em que exatamente essas outras razões se fundamentariam?

A lei do Amor e da Vontade de Deus também não deixaria espaço para o “bairrismo” caracterizado pela tentação de afirmar “a gente deveria valorizar mais a música católica e deixar que eles se virem lá para valorizar as músicas deles”. Essa visão superficial simplesmente esquece que a música é um ministério, e, sendo assim, não está presa a questões como “ser ou não ser valorizado. Para um verdadeiro ministro de Deus só importa uma coisa: fazer a Vontade do Pai.

Espero que você perceba também que a Coordenação do Ministério das Artes da RCC não está “fazendo apologia” ou defendendo a “primazia” da música dos evangélicos sobre a nossa... Estou apenas lembrando que o Espírito Santo é livre para fazer o que quiser, e ninguém pode querer enquadrá-lo nas regras mais convenientes à sua situação. Foi justamente esse o erro dos fariseus dos tempos de Jesus!

Preste atenção: esta não é simplesmente uma discussão a respeito “daquilo que é nosso e daquilo que é dos outros”, a questão aqui é priorizar aquilo que é de Deus!

O risco de termos uma opinião puramente “achista” é que através dele acabamos chegando no iluminismo religioso, um caminho extremamente traiçoeiro, pois sempre leva, sem exceções, ao egocentrismo suicida. Começa-se dizendo que não pode música popular, só cristã... Depois diz que não pode evangélica, só católica... Depois que não pode músicas das CEBs, só da RCC... Depois que não pode de outros grupos, só do nosso!

É um perigo... E ronda nossos ministérios constantemente, furiosamente. Portanto precisamos estar atentos, principalmente se somos “formadores de opinião”, não podemos simplesmente “falar tudo o que nos vem à cabeça”, sem antes pôr à prova nossas teorias, através da fé e da razão.

Aqui cabe lembrar um alerta do Papa João Paulo II quando falou àqueles que estão constantemente “sob os holofotes”, isto é, aos que já têm um “nome” estabelecido e acabam sendo referência para outros cristãos:

“Sobretudo aqueles que, dentre vós, são mais conhecidos do público, devem estar constantemente conscientes da sua responsabilidade. As pessoas olham para vós, caros amigos, com interesse e simpatia. Sede sempre para elas modelos positivos e coerentes, capazes de infundir confiança, otimismo e esperança.”

POR FIM...

Também é verdade que todos nós só teríamos a ganhar se conhecêssemos um pouco mais a riqueza dos inúmeros ministérios maravilhosos que temos na RCC e em outros braços da Igreja Católica. Recentemente toquei em um show ao lado do Trio Ir ao Povo, que canta músicas da Teologia da Libertação, e foi uma oportunidade de grande crescimento humano e espiritual para mim. Também outros ministérios da RCC que tenho conhecido por todo o Brasil... Boa Nova e Santa Clara (PE), Raio de Luz (PR), CEFAS e Kirios (RJ), Projeto Rosário, Ângelus e Nova Face (SP), Hava (RS), Javé Nessi (GO), Ciros e Água Viva (ES), Irmãs Agostinianas (MS), Triunfo Imaculado (MG), Lucas (Sorocaba), Antônio Filho (PI), Cícero de Jesus (TO) e vários outros dos quais, possivelmente, muitos de nós talvez nunca tenhamos nem ouvido falar, mas que são servos de Deus atuando constantemente em nosso Movimento. Também dessas fontes desconhecidas da música católica precisamos aprender a beber!

Ufa... No final das contas, a verdadeira finalidade desse breve artigo é ser material de informação e formação para os artistas católicos espalhados pelo Brasil, especialmente aqueles que lutam, como eu mesmo, no dia-a-dia do grupo de oração paroquial.

Para escrevê-lo consultei lideranças de mais de dez Estados do Brasil, escutando sempre com carinho tanto um lado quanto o outro da questão... Depois empreendi a pesquisa documental separadamente e, por fim, construí os argumentos, entremeando com os exemplos e citações.

Concordando ou não, uma coisa, porém, é certa, após ler este artigo você pelo menos colheu uma série de dados e posicionamentos da Igreja que, com certeza, serão úteis em sua caminhada.

Claro que nada impede que alguém simplesmente diga “não toco música evangélica e pronto”. Em princípio, até Deus respeita sua liberdade, porque alguém mais poderia não respeitá-la? Entretanto, é bom que todos nós saibamos que essa escolha não quer dizer que você está “defendendo sua fé” ou “sendo mais autêntico” que os outros... É uma opção sua, importante enquanto expressão de seu pensamento, porém nada mais que uma opção. Pensar o contrário seria querer afirmar, inclusive, que o próprio Magistério da Igreja também não está “tendo coragem de defender a fé”, um absurdo, portanto.

Peço, finalmente, que todos os artistas do Brasil orem por mim, que ainda devo permanecer na Coordenação dessa Obra por mais um tempo, a fim de que Deus possa sempre reinar apesar de minhas fraquezas e misérias e eu possa ser cada vez mais um servo mais disponível para cada um de vocês... ao mesmo tempo, coloco-me à disposição para eventuais esclarecimentos através do e maildavi@rccbrasil.org.br.

E que todos os nossos esforços sejam despendidos rumo à Vontade de Deus. Amém!

João Valter Ferreira Filho
Coordenador Nacional dos Ministérios de Arte
RCC Brasil

Um comentário:

  1. Muito bom este artigo, pois nos tiram dúvidas que temos,como músicos.

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